terça-feira, 25 de novembro de 2014

Ecos

Quantas vozes tem uma estreita multidão?
Quantos gritantes murmúrios padecem,
face à asfixia do tudo e do todo,
que implacavelmente nos conduz, ordeiramente?


Que se berre, que se chore, quem nos ouve?
De que coragem dispomos para encontrar a gota,
aquela perdida, no meio de tantas outras,
que da mesma água não é feita do oceano a que pertence?


No silêncio da velhice, um sussurro enche a sala,
Pinta de cores quentes o espaço entre as notas tocadas,
Dando sentido à existência de uma sombra, já fugaz.


No entanto, só aquele engendrado plano,
capaz do pintar de asas de uma borboleta,
se encontra razão para tal murmurinho de tão tremendo significado.





Dedicado ao João Monteiro

26-11-14

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Memórias...

Com um suave dançar de dedos nas teclas um piano ganha o seu canto, fazendo vibrar as suas diferentes cordas vocais, com pequenos martelos que, suavemente, embalam um ouvinte numa torrente de ambíguas memórias. Como uma Nocturne de Chopin uma memória desenrola-se do seu doce novelo, fazendo valer cada acorde, cada bemol, cada pausa, numa apetitosa melodia que ora pode ser doce, ora amarga.

Incrível a forma como funciona. É capaz de banhar todo o nosso pensamento, como uma só gota sensorial, transportando-nos para outro qualquer sítio, ou mesmo outro qualquer Eu, no passado. O passado, esse, reserva-nos tanto e tão pouco. Se por um lado nos educa para o presente, com a sua voz autoritária e paternal, também nos entorpece a razão, tornando-nos letárgicos ao presente, permitindo-nos navegar por o grande oceano da nostalgia e da saudade. Saramago dizia: “O passado é um imenso pedregal que muitos gostariam de percorrer como se de uma auto-estrada se tratasse, enquanto outros, pacientemente, vão de pedra em pedra, e as levantam, porque precisam de saber o que há por baixo delas”.

Há, no entanto, em cada um de nós, uma velha caixa, seja ela física ou imaterial, onde os objectos de outrora são guardados por nós e a nós. Mergulhar nessa caixa é correr o risco de se ser assoberbado por sorrisos, surdos gemidos, prantos, ou mesmo acesos de raiva e incompreensão. É extraordinário como um simples pequeno papel pode inflamar uma rede de neurónios tão bem preservada, capaz de transformar sinais físicos em eléctricos, devolvendo uma emoção que em nada é tímida. E o cérebro, bom entendedor, também ele nos devolve uma reacção física, seja ela uma lágrima, um sorriso, ou mesmo, com o auxílio dos pulmões, um vultosa gargalhada.

As memórias que mais me entorpecem, pela beleza que lhes é inerente, são as cartas. Sejam elas em postais, ou grandemente letradas, representam sempre promessas de algo. Pelo menos, promessas de fazer chegar algo a alguém. As cartas são as melhores memórias, pois, em si, já são memórias quando as recebemos. Enquanto vasculho, no meio de tanto e de tudo, deparo-me com postais de uma tia querida. As cartas são registos da nossa existência e dos outros. Viajantes incansáveis que fizeram chegar tanto a muitos. São belas, porque tal como Hérmes, o mensageiro, fazem chegar algo que aparenta tão pouco e que significa muito. E hoje, são elas que me fazem chegar a mim a memória de outros tempos e de outras pessoas que já foram. A memória de outros sentimentos que entretanto o tempo me fez esquecer. A memória de promessas perdidas pela distância. A memória de amores que já foram e que hoje olho para cada um deles e para as carta que leio com duas caras.


Enquanto o piano vai cantando a tua memória vai alimentando e acalentando esta colmeia eléctrica que é o meu cérebro. Por fim o silêncio, até ver. Obrigado.




25-11-14

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Desespero


Ao fim de dezoito anos de estudo, nunca me foi ensinado como lidar com o desespero, ou sequer como antevê-lo. A verdade é que todos nós somos assolados por ele na vida. Todos nós temos um medo aterrador de tudo, do início, da continuação, ou do fim. No entanto nunca nos ensinam a lidar com tudo isto. Ensinaram-nos matemática, ciências, as línguas, os poemas, os escritores, a história do nosso país, dos outros, da humanidade, dos impérios, do que já foi, do que é e do que virá a ser. Infinitos exemplos de infinitas repetições. Ensinaram-me a ler, a ver, a escrever, a falar, a ouvir, mas não a sentir.

Em todo este processo educacional extenso, como se negligenciou algo tão importante, tão único do nosso ser, que parece continuar a ser coberto por um véu preto intransponível? Vivemos de sentimentos, movemo-nos por sentimentos sem saber o que são, ou sequer ter a sua compreensão.
Depois de tanta repetição de nós mesmo, após anos de civilizações, de exemplos continuamos sem sequer nos percebermos a nós próprios e, pior ainda, sem sequer termos vontade de. A exploração do Eu e compreensão da nossa mente deveria ser a nossa prioridade.

O desespero, esse, vem daí mesmo. Desta falta de cultura do Eu, da falta de tentativa de compreensão. Aqueles que se tentam compreender, são vistos como estranhos. Aqueles lunáticos do mundo artístico que não sabem o que fazem cá. Mas alguém sabe? Alguém de facto sabe o que faz aqui, ali, acolá? Para onde vai amanhã, depois e depois?

Carregamos todos um desespero constante de tanta coisa. Apesar de ser carregado por nós todos os dias, raramente transparece aos outros o que efectivamente se passa dentro da alma. Envoltos em tantas camadas de máscaras e protecções, foi-nos instigado que mostrar desespero, mostrar fragilidade, é um sinal de fraqueza inadaptação social. Mas se o cérebro e o pensamento humano são as nossas maior virtudes e resultados de anos de evolução biológica, uma distinção única que nos manteve como os seres mais bem adaptados a esta Terra durante tantos anos, como o podemos esquecer tão facilmente, tanto as suas virtudes, como as suas necessidades e fraquezas?


Ignorar estas verdades, é ignorarmo-nos. Frequentemente jogamos às escondidinhas com a nossa mente. Há pensamentos tão obscuros que assolam o Ser Humano que são guardados no canto mais recôndito de nós mesmo, a salvo de nós mesmo. Tal e qual a nossa Caixa de Pandora, que quando aberta, solta todos os males do mundo. Alguns pensamentos são tão tenebrosos que nem ousamos tocar neles, pois quando o fazemos, soltamos todos os males que existem dentro de nós, todo nosso lado negro e os pensamentos que nos consomem por não ter solução, por se mostrarem terríveis verdades que a todo o custo tentamos fechar os olhos. Pensamentos que acordam memórias que há muito devia ter sido apagadas, mas que felizmente ou infelizmente, estão sempre armazenadas algures, prontas a disparar impulsos eléctricos de dor. O desespero é tudo isto, é uma espiral em queda, sem fim, sem ponta de começo, uma entrada num carrossel que não pára até voltarmos a fechar a nossa caixa, a nossa mente, porque não sabemos fazer nada mais, que isto mesmo. 

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

“Não podemos ajudar quem não quer se ajudado”

Algures no código genético, temos escrito uma parte importante que dita a nossa existência. Esta parte refere-se ao instinto de sobrevivência. Com ele, somos capazes de não só nos mantermos vivos, como em situações de maior adversidade, conseguirmos ultrapassar limites físicos ou psicológicos.

Mas quando este instinto de preservação própria falha, o que resta de nós? Ou quando não falha totalmente, mas se estilhaça em vários pedaços, que resta dele e desses pedaços? Quando alguém desiste de si próprio, os que ficam do outro lado, que podem fazer?

Ser espectador da destruição ou falta de auto-preservação de alguém que amamos é uma dor constante. Esta dor é como uma dor fantasma. Apenas com a diferença de uma progressão da perda de um membro que é tão nosso.

Depois de tudo fazermos pela pessoa, nos dedicarmos a isto e aquilo. Fazermos o aqueloutro, possível e impossível. De tentarmos salvar esta pessoa da sua própria miséria, daquele quarto escuro sem alguma luz, sabendo que somos a pouca luz que resta nesse quarto. Que mais nos resta fazer, quando a pessoa não quer ser ajudada?

É possível ajudar quem não quer ser ajudado? E qual é a quota-parte de culpa se desistirmos dessa pessoa, depois dessa pessoa ter desistido de si própria? Será possível termos forças para sermos a força de outro, mesmo depois de ser desprezada a nossa ajuda, esforço, compreensão? Qual é a medida de compreensão pelo outro que está mal, a medida do esforço, das soluções, das horas, das lágrimas que nos pode indicar o limite de tudo isto? Que devemos fazer quando infligimos dano a nós próprios, tentando salvar os outros do seu próprio dano?

A salvação de alguém passa por esse alguém. Julgo que não podemos fazer alguém interessar-se por si próprio ou pelo mundo que o rodeia, por mais ajuda e amor que daremos ou tenhamos a essa pessoa.



Quando se atinge o limite, desiste-se, estarei eu a fazer bem?

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Quanto mais penso que preciso de alguém na minha vida, mais me apercebo que preciso de mim próprio.


No fundo é isso mesmo. Temo-nos a nós próprios e essa certeza deve ser bem consolidada na nossa vida. Afinal de contas, fazer de nós próprios prioridade não é assim tão errada, já que se tudo correr mal, é bom que nos tenhamos a nós próprios e que essa relação, de mim para mim, seja boa. A mente pode ser um canto escuro se não for educada e explorada e não devemos ignorá-la já que, nós só nos temos a nós próprios.


Elis Regina canta: “Eu preciso aprender a ser só. Poder dormir sem sentir seu calor”. Apesar de sermos mamíferos e sermos absolutamente dependentes uns dos outros, como sociedade. De vivermos num ambiente tão inteiramente dependente de uns dos outros, onde a componente social é uma fatia extremamente importante do nosso comportamento, devemos ainda assim estimar esta relação que existe com o nosso eu.


Nada é garantido nesta vida. Nada é certo e as certezas, essas, estão repletas de dúvidas e quanto mais vivo, mais sei que nada sei. Aquilo que temos, mesmo a própria vida, é temporário e portanto, mesmo a certeza de estarmos vivos pode apenas durar até ao próximo dia. O certo é que nós temos a nós próprios e mesmo que partilhemos as nossas vidas com quem quer que seja, a nossa individualidade, o nosso Eu, não pode ser esquecido.




Quanto mais penso que preciso de alguém na minha vida, mais me apercebo que preciso de mim próprio.