Aparentemente hoje Jesus ressuscitou. Não sou católico, nem acredito na
religião e na sua doutrina. Ainda assim vejo esta data como forma de
ressuscitarmos pessoas. Se a lei de Lavoisier postulou que na natureza nada se cria,
nada se perde, tudo se transforma então, irremediavelmente, haverá sempre um
pedacinho de nós que aqui fica, já que daqui veio. Tudo isto nos é emprestado.
Até o próprio sangue que nos corre pelas veias do nosso corpo, carregando o
oxigénio que nos mantém vivos, pelo trabalho da hemoglobina, possui hoje o
ferro que um dia pertenceu à morte de uma estrela. A morte para dar lugar à
vida. Somos todos pequenos pedaços de algo maior, seja Deus, sejam Vários, ou
outra Coisa qualquer, reconhecer a importância desta irmandade é fundamental para
entender a vida
A divindade em si, existe quando me
deleito a contemplar um ramo de uma árvore que levemente baloiça sobre a brisa
quente de uma tarde de Abril em que as folhas novas da Primavera dançam com o
vento sobre um compasso que tento entender, ao som de umas notas orquestradas
por algo invisível. Delicio-me a olhar para a minha gata que levemente lambe a
sua delicada pata branca num torpor melancólico primaveril, sob a preguiça
teimosa do sol embalador que nos deixa tombar os olhos. Se eu e ela não somos o
mesmo. Se eu e ela que nos rendemos ao calor do mesmo astro ardente, perante a
mesma espirelada galáxia, não somos o mesmo, então que somos nós? Gato e
humano?
Frequentemente nos esquecemo de calcar a relva e ver a natureza. De sentir
cada húmido pedaço de planta debaixo (curiosamente) da nossa planta dos pés.
Que bom é calcar a relva. Que bom é o sol. Que bom é o silêncio. O nosso
silêncio. Hoje ressuscitou. Ressuscitou na minha memória estes pedacinhos de
todos nós, aqueles que já não me fazem companhia ao almoço que hoje recheou a
casa de cores e odores, de conversas e olhares de quem se conhece e reconhece,
espelhos entre espelhos, numa dança em que já se adivinham os passos de cada um.
Ressuscitaram na relva, no Sol, nas folhas que brincavam ao vento, ou na música
que tocou à refeição. Foram os adagios,
com os violinos a cortar o ar. Foram as vozes francesas e belgas dos cantores
de outrora que te fazem ressuscitar e que sempre farão. A Páscoa é isso mesmo.
O amor ressuscita, seja o que for, seja quem for.
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