Aqueles que por
mim passaram, foram deixando um rasto da sua presença nos pequenos detalhes
deste frágil voar de borboleta que são as nossas vidas. Hoje vejo que não sou
um, mas vários. Que não sou eu, nem o outro, mas outrem. Cada um que passou,
com o seu polegar, ora leve, ora grosseiro, deixou um moldar do barro que hoje
faz a escultura que não acaba e não acabará até estar concluída e finita, e
quem sabe, até voltar a ganhar outra vida, outro sentido.
Nas pequenas
actividades do quotidiano, há traços deles. Seja pelo hábito que ficou, seja
pelo livro que hoje releio com saudade, ou até pelo gesto feito em palavras que
me soam comuns a algo que já não é, já passou. Estas memórias assemelham-se a gigantes
afloramentos rochosos no topo da montanha, soldados graníticos resistentes à
erosão do tempo. São com elas que traçamos o mapa geográfico da nossa vida. São
as rochas que param o tempo em nosso redor, como um intervalo estagnado dentro
de algo que não pára, que é o tempo.
Estes seres
graníticos, que nos olham sem olhar, do topo da montanha, relembram-nos do que
vivemos e do que já passou. Os mais aguçados que ainda hoje nos fazem tropeçar
na calçada invisível daquele caminho que julgávamos extinto, ensinam-nos que as
feridas demoram a sarar e que qualquer momento nos serve de aprendizagem para
futuras quedas. Os mais macios, já erodidos pelo vento e as lágrimas, com
superfícies que agora reflectem a luz do Sol, onde já nos podemos recostar para
o nosso leve voar de mente, servem-nos agora para deliciar do que já foi e já
passou. Porque ainda que tudo esteja destinado ao fim, não quer dizer que não
possamos sorrir com a lembrança do outrora. Perderemos tempo a chorar o fim da
Primavera, senão olharmos para o futuro que nos aguarda com outra e outra
Primavera diferente.
Hoje entendo que
há males que vêm por bem. Que os locais mais inóspitos da nossa Terra são só
mais protegidos por obstáculos. E que se não soubermos ser infelizes, nunca
chegaremos a ver a felicidade que nos é apresentada todos os dias. Abri os
olhos, para que a boca pudesse sorrir, porque afinal estavam certos, é de novo
Primavera.
Onde as nuvens
formam a pálida neblina do amanhecer lá na Serra, onde o silêncio só pode ser
quebrado pelas nossas infames palavras e a sinfonia que se ouve é só e apenas
do crescer das nossas almas, é onde agora, com atenção, no dispersar da
neblina, se avistam as rochas cobertas do verde, do amarelo, do roxo, do
azul do vermelho, dessas tão
inteligentes cores que não só atraem as abelhas para a polinização, mas atraem
uma vez mais, o nosso sorriso. Agora sim, deitar-me-ei no amolecido granito já hospedeiro e brando pelo passar do tempo.
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