quinta-feira, 2 de abril de 2015

Caminhos rochosos


Aqueles que por mim passaram, foram deixando um rasto da sua presença nos pequenos detalhes deste frágil voar de borboleta que são as nossas vidas. Hoje vejo que não sou um, mas vários. Que não sou eu, nem o outro, mas outrem. Cada um que passou, com o seu polegar, ora leve, ora grosseiro, deixou um moldar do barro que hoje faz a escultura que não acaba e não acabará até estar concluída e finita, e quem sabe, até voltar a ganhar outra vida, outro sentido.

Nas pequenas actividades do quotidiano, há traços deles. Seja pelo hábito que ficou, seja pelo livro que hoje releio com saudade, ou até pelo gesto feito em palavras que me soam comuns a algo que já não é, já passou. Estas memórias assemelham-se a gigantes afloramentos rochosos no topo da montanha, soldados graníticos resistentes à erosão do tempo. São com elas que traçamos o mapa geográfico da nossa vida. São as rochas que param o tempo em nosso redor, como um intervalo estagnado dentro de algo que não pára, que é o tempo.

Estes seres graníticos, que nos olham sem olhar, do topo da montanha, relembram-nos do que vivemos e do que já passou. Os mais aguçados que ainda hoje nos fazem tropeçar na calçada invisível daquele caminho que julgávamos extinto, ensinam-nos que as feridas demoram a sarar e que qualquer momento nos serve de aprendizagem para futuras quedas. Os mais macios, já erodidos pelo vento e as lágrimas, com superfícies que agora reflectem a luz do Sol, onde já nos podemos recostar para o nosso leve voar de mente, servem-nos agora para deliciar do que já foi e já passou. Porque ainda que tudo esteja destinado ao fim, não quer dizer que não possamos sorrir com a lembrança do outrora. Perderemos tempo a chorar o fim da Primavera, senão olharmos para o futuro que nos aguarda com outra e outra Primavera diferente.

Hoje entendo que há males que vêm por bem. Que os locais mais inóspitos da nossa Terra são só mais protegidos por obstáculos. E que se não soubermos ser infelizes, nunca chegaremos a ver a felicidade que nos é apresentada todos os dias. Abri os olhos, para que a boca pudesse sorrir, porque afinal estavam certos, é de novo Primavera.


Onde as nuvens formam a pálida neblina do amanhecer lá na Serra, onde o silêncio só pode ser quebrado pelas nossas infames palavras e a sinfonia que se ouve é só e apenas do crescer das nossas almas, é onde agora, com atenção, no dispersar da neblina, se avistam as rochas cobertas do verde, do amarelo, do roxo, do azul  do vermelho, dessas tão inteligentes cores que não só atraem as abelhas para a polinização, mas atraem uma vez mais, o nosso sorriso. Agora sim, deitar-me-ei no amolecido granito já hospedeiro e brando pelo passar do tempo.

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