quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Dia-a-dia


Um monstro peludo de dentes e unhas aguçadas começa o seu dia bem cedo de manhã. Por volta das sete horas, acorda do sono relaxado, qual diva, qual Deusa e, levemente, parando para se espreguiçar e esticar cada célula do seu corpo, vai-se dirigindo matreiramente para a cabeceira da cama… Enquanto o faz, começa logo de cedinho a aquecer a garganta, entoando sons tais, que quem ouvisse de fora, pensaria que afinal os dinossauros não tinha sido extintos há milhões de anos atrás. Este ritual culmina no inevitável acordar do seu pobre dono. Este, meio atordoado, lá se arrasta até à porta do quarto, pousando e arremessando cada pé como se de chumbo fossem feitos. Abre a porta e espera pacientemente que a Dona Gata se digne a deslocar-se até ele.

Uma vez fora do quarto, impiedosamente e com uma turbidez do olhar, este fecha a porta e cai na cama. Retraindo-se, contorcendo-se, ajeitando-se e puxando os lençóis para si, até que o sono rapidamente o envolvesse.

Passa uma hora e o despertador, desta vez não animal, mas sim robótico, toca. O pobre coitado tem pouco tempo para tocar, uma vez que o cérebro do David já está mais que habituado àquele som irritante. Aliás, tão irritante que quando o ouve sem ser para acordar, fica irritado e alterado, como uma reacção endógena, intrínseca na própria consciência – tal e qual como Pavlov descreveu.

Mas uma vez, lenta e forçosamente, David tira uma perna da cama.

O frio. E que frio. Durante a noite, o calor que libertou parece ter gerado um forno de 1000 graus Celsius. A sensação de saída do forno torna-se tudo, menos convidativa. Ao sentar-se na cama (que é obviamente a primeira coisa que faz depois de acordar, uma vez que não tem forças para nada mais) pensa: “que dia e hoje?” E pensa ainda: “não tenho de ir trabalhar, pois não?” E finalmente alguém que se encontrava muito escondido no interior de uma pequena gruta, num recanto escuro do cérebro, ergue a voz e diz: “sim David, tens sim seu idiota! Levanta-te que tens que tomar banho, vestir-te comer, arranjar o almoço, dar festas a gata, guardar o computador, arranjar a mochila para o ginásio e sair de casa para trabalhar, que faz bem!” David fica então perturbado pela intervenção contínua e desagradável daquela voz e responde: “está bem, estou a ir, mas cala-te, por favor!”.

E uma vez mais a inércia…essa reacção ao movimento que nunca entendeu quando estudava física no 3º ciclo, torna-se de fácil entendimento agora. Ao chegar a cozinha, articula uma série de sons que resultam nesta palavra: “oumm thiaa”. Na verdade acreditou que disse “Bom dia”,não fosse o dialecto Neanderthalesco, talvez tivesse dito realmente. Como todos os dias, enche um copo de água da torneira, coloca-o no microondas. Quando se ouvem os 3 “pis”, os quarenta segundos já passaram e no relógio do forno indica que já são sete e quarenta 8hora de ir tomar banho). Lentamente, David bebe a água morna acabada de aquecer (leu algures na Internet que água morna de manhã faz muito bem a…a tudo, parece, e desde então começou a praticar este pequeno hábito). A água aquece-lhe a garganta e após o banho já consegue falar (talvez a água ajude mesmo).

O inicio da manhã continua com as actividades rotineiras que a sua consciência muito fielmente citou. Tomar o pequeno-almoço, arrumar o computador, preparar o almoço, etc…
Nos entretantos, a sua mãe fala uma série de coisas que não entende. Nunca percebeu como é possível que alguém tenha tanta energia logo de manhã. É que energia e manhã são antónimos no sei dicionário. “Como será possível alguém os combinar?!”.

Entre pressas, corridas e tropeços na gata, toda a lista matinal fica pronta.

Sai de casa e sente o frio na cara (única local do corpo que não se encontra protegido pelos quilos de roupa que leva). Sorri ao ver o sol (ou pelo menos gosta de acreditar, porque na verdade faz uma cara péssima de quem não teve tempo para fechar as pupilas) e põe-se a caminho do metro.

No metro as pessoas são sempre as mesmas. Incrível como se pode apanhar metros vindos de todas as direcções e as pessoas serem todas as mesmas. Isto é, não são as mesmas, mas agem todas da mesma forma. David varre o olhar das pessoas à procura dos sentimentos. Enquanto a roupa, a maquilhagem, os adereços e afins podem esconder quase tudo, os olhos (espelhos da alma) não conseguem esconder nada. Ou se está feliz, ou se está preocupado, ou se está cansado, ou se está qualquer outra coisa, o que interessa é que os teus olhos vão-te denunciar.”

“Timmm tammmm” “Casa da Música”. Entre empurrões e chatices dirige-se às escadas rolantes. Incrível como existem demasiadas pessoas que não entendem que se podem gerar duas filas numa escada rolante e que, tal como as regras de trânsito, deve-se andar pela direita, para não embaraçar o trânsito. O problema deve estar mesmo no facto de as pessoas também não cumprirem esta regra na condução.
Mais uma viagem fantástica pelo autocarro, por vezes, com as mesmas pessoas do metro e, finalmente, a Vânia (nome dado por ele à voz da menina do autocarro) anuncia: “Planetário”.


"É aqui. Tenho de sair. São nove horas."





2 comentários:

Histórias do Lobo Bom disse...

E já está. Espero que tenhas um dia feliz. Pelo menos sabes descrevê-lo muito bem o que já é um avanço.
A propósito: o semi dono fora da porta do teu quarto aguarda a chegada da gata que entre tropeços, roçadelas e ronrons vai para a cozinha onde sabe que lhe dou a dose de cereais. Se ainda não estou lá para a receber é certo e sabido que se deita à porta do meu quarto, pacientemente, ronronadamente.

David Boaventura Gomes disse...

É uma gatinha muito fiel e rotineira :)