Quando ia para minha aula,
encontrei um senhor invisual a espera do metro na Paragem de São bento na mesma
direcção em que eu ia viajar. O senhor esperava, tacteando o chão com a sua
bengala metálica nos relevos da linha amarela delimitadora da zona de perigo ao
aproximarmo-nos da linha.
Eu, que me dirigi para o local
exacto onde a porta o metro ia parar – informação dada por uma amiga (que nunca
falha) – fiquei a observar o senhor invisual. Comecei a ser envolvido numa
compaixão imensa.
A primeira coisa que pensei foi
como é difícil ser-se invisual…como é difícil cair e levantar sozinho. Viver
num mundo repleto de imagens e não poder vê-las. É certo que é complicado. O
órgão sensorial principal, aquele que mais usamos, cria um fardo imenso, a quem
o perder. Tudo é feito de imagens. Aliás, diz-se que uma imagem vale mais do
que mil palavras. E este facto de mentira não tem nada. Basta pensarmos nos anúncios
e nos media, sensibilizando, aliciando, comercializando tudo, e todos. Basta
pensarmos nas tecnologias, cheias de imagens, símbolos, ecrãs, etc.
O que se segue no meu pensamento
é que se eu fosse invisual, não poderia fazer o que faço, isto é,
profissionalmente. Faço investigação científica e dependo totalmente da imagem.
Vejo e analiso células e tecidos todo o dia, todos os dias. Aliás, chego mesmo
a usar uma série de diferentes instrumentos para o fazer, tudo em prol da
imagem perfeita, na melhor representação da realidade.
Imagens de fluorescência. Imagens
de luz-clara. Imagens 3D.
Imagens.
O senhor ficou num local em que
não dava acesso a uma porta do metro. Claro…ele não vê o elevador que está do
outro lado da linha e que é sempre a minha referência para a porta do metro em
que quero entrar. Desajeitadamente, ouvindo o som do metro em tons de campainha
irritante avisadora de perigo, move-se para a frente, sempre com a sua bengala
metálica. Bate no metro com ela. Atarantado, não sabe para que lado se há-de
virar para chegar o mais rapidamente possível a uma porta.
Eu paro à frente da minha porta –
agora aberta – entre o metro e o piso de mármore da paragem. Assim que dou
intenções de retroceder para ajudar o senhor a entrar no metro, já várias
pessoas o estavam a fazer. Rapidamente abro alas para o senhor poder entrar e
ficar no lugar mais próximo para não ter obstáculos no seu caminho.
Encosto-me no metro e penso:
porquê é que te queixas David? Olha vê! Sim, vê! Porque tu podes fazer isso! Vê
como alguém que não pode ver, enfrenta a vida todos os dias. E enfrenta com o
dobro, o triplo, o quádruplo dos obstáculos que tu tens. Os teus obstáculos
talvez sejam pessoas, não no sentido físico e material, mas sim no psicológico
e imaterial. Os teus obstáculos podem até ser situações complicadas e tal,
chatices, qualquer coisa…Mas vê. Este senhor, enfrenta todos os dias obstáculos
que a tua visão ultrapassa. Mais aqueles que tu já tens. Por não falar em toda
a questão psicológica a volta da sua condição. Muito provavelmente é dependente
de alguém. Existe grande probabilidade de já ter visto antes de não ver…
Enfim, não sei como será sentir esta
escuridão envolta de nós. Bem sei que não precisámos de olhos para ver o que
nos rodeia. Aliás, atreveria dizer que muito provavelmente vêem muito melhor do
que aqueles que são visuais.
Chegamos a conclusão que aqueles
que mais se queixam, são os que menos se deviam queixar. Uma amiga minha hoje
disse-me: David, não nos podemos queixar, nós somos felizardos.
E é verdade. Nascemos aqui, não
em Angola, numa família pobre, a morrer de fome. Só por isso, já somos abençoados
e repletos de sorte. Aliás, creio que já tenhamos esgotado a nossa quota-parte
de sorte…