Hoje, do meu pensamento desabrochou um rio de palavras. E do sono leve, um mau tempo de sentimentos. Dormi o castigo do mortalidade e vi o relógio que guarda o verme que cresce ávido no vazio dos ponteiros, para um dia se tornar em traça de asas felpudas, sair do relógio e habitar o meu coração podre.
Tic-tac Tic-tac.
Sonhei também acordado que a morte os levara e eu desamparado teria então de tomar conta da minha pupa, sozinho; com um medo que persegue alimentado pela solidão sombria que cresce com a idade, fazendo sombra nos lugares onde nunca pensamos faltar luz. E a solidão era profunda e quanto mais se adensava maior cresciam os medos velhos, as loucuras, as manias e as obsessões.
Tic-tac Tic-tac.
Tornamo-nos então em espectros dançantes ao som de um longo Requiem sem esperança de ter um novo andamento. Tocamos a peça a ritmo lento, para não acabar, mas vamos cometendo mais e mais erros nos compassos e nas cadências. Decadências. É o mistério da lagarta e da traça. Do relógio e seu espaço entre os ponteiros. Saber viver com ela sem que nos coma todo o espaço das horas com menos medo. Abro olhos para não adormecer, pois sinto que a largata se torna verme ávido pela noite, quando não estou atento.
Estou na Holanda e tenho pais. Foi um sonho; acordado. E eles têm relógios e espaço entre os ponteiros.
Tic-tac Tic-tac.
Tic-tac Tic-tac.
Tic-tac
Tic...